Pajé Santiê - foto: http://www.flickriver.com/photos/jmarconi/tags/milho/
O pajé está calado, e nós também!
Tentei entrevistar o Pajé Santiê, do polêmico caso Noroeste, futuro bairro “ecológico” de Brasília que, para se concretizar deverá avançar em área de propriedade indígena, pertencente ao Povo Fulni-Ô Tapuya, segundo fontes, desde antes de Brasília ser construída. A briga entre a construtora e os defensores da causa dos moradores da área tem gerado muitos confrontos e polêmicas.
Minha pauta, motivadora do contato, nada tinha a ver com a questão das terras, que hoje se encontra nas mãos do judiciário. Queria saber como esse povo cuida da vitalidade masculina, para uma revista masculina. Uma pauta boba, a princípio, mas com a vontade sincera de ouvir as diversas culturas sobre o tema que não é bobo, vamos combinar. Minha surpresa foi tamanha, quando, conversando com o Pajé, soube que não teria a entrevista por orientação dos advogados e da FUNAI.
As últimas coberturas sobre o conflito, publicadas por revistas semanais de circulação nacional, foram absolutamente favoráveis ao desmonte dos direitos indígenas. E o argumento, pasme, é que os índios não são bem mais... índios. Eles usam relógio e tal.
Sim, as pessoas que pintam o cabelo de loiro não devem assumir o cargos de responsabilidade porque, fazendo isso, estão abrindo mão de sua inteligência, já que a cultura popular brinca com a inteligência dessas moças? Essa a lógica?
Agora, me explique quem for capaz, quem foi que disse que os índios só seriam índios se mantivessem o lifestyle de 1500?
Nossas políticas indigenistas sempre foram tímidas e incipientes.
Os primeiros habitantes brasileiros de fato, jamais foram os portugueses, todo mundo sabe disso e nem por isso tivemos a delicadeza de cuidar desse patrimônio cultural e histórico. Pelo menos por educação. Há, que educação?
Também somos descendentes dos europeus, mas convenhamos: que autoridade é essa que diz que descobriu algo que já era habitado, e perpetua informações distorcidas pela educação formal como correta, sendo um ato de ignorância sem tamanho.
Agora, diante da eterna briga da especulação imobiliária (Pinheirinho que o diga), transformamos, aliás, alguns jornalistas transformaram, pautados por algum anunciante forte, mais uma visão desconstruída desses brasileiros, como se relógio fosse perda de valor e de direito a terra que é deles, sempre foi!
Enquanto isso, no palácio da justiça, vem uma meia dúzia de cientistas gringos, com meia dúzia de relógios chineses para presentear nossos irmãos invisíveis e passam a conviver nas comunidades indígenas absorvendo tudo que nós, brasileiros, não temos acesso porque ignoramos, porque somos ignorantes e porque permitimos que continuem nos tratando assim, e, chegam a patentear o cupuaçu e por pouco foi a graviola, por importante atuação no tratamento contra o câncer. E sabe por quê? Por que eles observaram essa gente. E estão observando nesse momento. Mas, ninguém liga, ninguém vê. Só se rolar uma especulaçãozinha. Daí vira manchete. Negativa, é claro.
Não são tratados com dignidade, não tem saúde, educação. Porque índio não pode ter lap top? Porque não tem instrumentos de registro e perpetuação de seus dialetos e de sua cultura?
Parte do nosso patrimônio está morrendo e neste momento calado, tendo que se esconder.
Pouco importa se o índio usa relógio, usa short do Magazine Luiza, tênis da Nike, mas que ele tenha condições de não perder a dignidade em primeiro lugar, por ser brasileiro, e, na sequência, de ter a terra, sua por direito. E, assim, que consiga perpetuar seu patrimônio cultural, que é nosso, meu, seu, de todo mundo (que valorizá-lo). As ervas medicinais, as musicas, os dialetos, isso tudo é nosso. De quem é brasileiro de alma e vê esse país como um lugar para 192.376.496 de brasileiros e não de ½ dúzia de famílias que são sustentadas por 100 milhões de nós.
O seu silêncio Pajê, é nosso também.
Saiba mais sobre o caso:
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