Estava refletindo sobre o sentimento, aparentemente nobre de
querer ‘ajudar’ o outro e me veio à mente uma cena: uma pessoa querendo
atravessar a rua e demonstrando certa dificuldade. Você, percebendo, pode
esperar que ela te peça ajuda, atento para corresponder imediatamente, ou, pode
sentir a pessoa e oferecer auxilio (descarta-se a possibilidade de você ficar
indiferente).
Se a pessoa aceitar, você dá as mãos a ela, atravessa a via,
despedem-se e seguem seus caminhos sem prejuízo particular. O importante é que
ambos desejaram a mesma coisa. Seguir na mesma direção ou, auxiliar e ser
auxiliado e por isso tudo daria certo.
Agora, se alguém quisesse ser útil e chegasse diante de
alguém que caminha tranquilamente oferecendo ajuda para atravessar, qual seria
o efeito disso?
A pessoa poderia achar engraçado, dizer não e atravessar a
rua deixando o outro ‘no ar’ ou mesmo, se chatear porque sua meditação foi
interrompida, ou uma composição musical, ou simplesmente o maravilhoso silêncio
interno que algumas pessoas têm o privilégio de saborear.
Pensei em mim e em quantas vezes devo ter invadido a
privacidade, o campo áurico de alguém, desejando na verdade satisfazer o meu próprio
ego, oferecendo algo que o outro não estava aberto para receber. Se não somos
capazes de ouvir o tempo do outro, SUAS reais necessidades e respeitá-las, isso
não é legal.
Lembrei ainda de um moço que vende sacos e panos num
semáforo aqui de Brasília.
Na ânsia de ser simpático, ele invade a privacidade, até
mesmo quando eu já balanço a cabeça na negativa, estou com os vidros fechados,
cantarolando alto dentro do meu carro, numa via pública, vem até a janela, diz
que sou linda e olha minhas pernas. Put´s, é muito chato, mas ele se sente
feliz e no direito dê.
As crianças são ótimas mestras. Se não querem papo, não
fingem e colocam logo o limite. Que legal se a gente continuasse assim sem
ficar cheios de dedos pelo que o outro está querendo como reação. Sinceridade. Sem grosseria, apenas verdade.
Costumo dar oi a cavalo, planta, ar, gente, mas hoje sei
que, se alguém, o cavalo, ou o ar me devolverem um olhar feio e fechado, que
bom! É a verdade daquela pessoa, cavalo, ar. Não tenho o direito de esperar o
que quer que seja em troca. Aprendi isso sorrindo para a mesma pessoa por 3 ou
4 meses, seis horas por dia sem retorno simpático algum. Até que entendi. :_)
Maravilha! O problema era eu (na parte que me cabia).
Acredito e acho que a ciência mesmo tem comprovado cada vez
mais a interconexão humana. Estamos todos interligados. Somos seres encarnados
nessa realidade 3D, neste planeta, sujeitos às mesmas leis da natureza, mas a
percepção da caminhada É individual. A solidão é ilusão, assim como o seu
contrário. Nenhum de nós está sozinho e muitas das percepções são semelhantes
para todo mundo. Por exemplo, o sentimento da maternidade. Existe um arquétipo
de maternidade em que a maioria das pessoas identifica um amor além da conta,
mas a experiência é individual.
Aprender a ‘ouvir’ o tempo do outro é essencial para que as
relações sejam mais verdadeiras. Sem frescuras, mas com ternura. O carinho
verídico. Como diria o professor Clóvis de Barros, ética é aquilo que a gente
faz como se amasse. Viver de forma tão respeitosa não por pudor ou status, mas
por amor ao tempo e sua sabedoria máxima. O tempo do outro. Amor ao outro, que
às vezes quer passar despercebido, quer guardar algo para si, quer voltar sua
existência um pouco mais para dentro. Quer cantar sozinho mesmo no semáforo. Quer
deixar um pelinho solitário na barriga sem que alguém tente arrancá-lo sem
permissão prévia.
De antemão peço desculpas ao universo à todas as pessoas que
por ventura tenham sido “invadidas” pela
minha energia fora de hora e perdôo a todas que também o fizeram comigo.
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