Hoje no finalzinho da tarde
reservei uns minutos para o silêncio, a contemplação e a observação da
natureza. Na verdade levei um livro pra passear, mas sem culpa.
Chegando ao local, o Sol estava
tão acolhedor, com um sorrisinho de lado porque nos fez pensar que ele não
viria. O céu azul, com nuvens em camadas de diferentes tons formava um mosaico fofo d e texturas diversas que inspiravam a imaginação a pensar que a diferença
de altura entre elas era enorme.
Pensei em deixar o celular em
casa, mas precisava dele para saber a hora de fechar o parque.
Sendo assim, diante de um
espetáculo de andorinhas, garças e em posse de uma câmera, nem pensei. Deitada
esperando meu corpo secar de um mergulho coloquei a o celular a postos para traduzir
um tico do espetáculo que meus olhos presenciavam.
As andorinhas são um capítulo a parte.
De uma delicadeza, precisão, perspicácia e agilidade de dar inveja. Tão
delicadamente dando rasantes e plainando por entre os prédios como uma rota de
diversão.
Inveja, era exatamente sobre isso
que eu ía escrever. Na minha vida não costumo ter inveja porque a vida alheia
sempre me parece um problema novo. Os meus já conheço e minimante sei lidar.
Inspiração tenho muitas. Pessoas anônimas ou não que me despertam admiração no
modo como lidam com a vida.
Mas ali, deitada e desarmada para
aquele por do Sol eu senti inveja dos pássaros. Nunca pensei que escreveria
isso, um clichê existencial, mas foi inevitável. A emoção já me dominava com as
andorinhas e os rasantes sobre mim, sobre a água, e, como gaivotas, eu vi uma
delas plainando por um longo tempo (pode isso produção?). Elas me
sensibilizaram, mas não contente o Universo se portava como aquele bom vendedor
que saca o seu gosto direitinho e sai metralhando lindezas sobre lindezas. Uma
garça solitária, imponente. Mais andorinhas, com as asas fechadas deslizavam
depois de pegar a velocidade necessária. E daí, muito lá pra cima, na última
das camadas de nuvens, um grupo em formação, voando vagarosamente, na verdade
deviam estar em velocidade constante, mas devagar não, e muito alto, me tocou
profundamente. Aquele estado de liberdade não era cousa pouca. Tentei
fotografar. Ficou bem ruim. Não sei quais pássaros eram, mas deviam ser
grandes. E livres.
Não sei se os óculos de Sol com
grau me deram a sensação de deslumbre. Tanto tempo sem enxergar bem no Sol que
a combinação de grau, lente com filtro e uma cadeira de Sol me deram um
presente nesta sexta-feira. Tudo ficou mais bonito. Vou olhar ainda mais para
cima a partir de agora.
Mais garças, desta vez em dupla. E
pombas, e andorinhas. Eu assistia tudo ali, inerte pra sentir com cada um como
seria voar aquele voo.
Foi tão bom e tão lindo. Como
tanta gente a minha alma bebe desses momentos como muitos bebem uma Coca gelada
num dia como hoje no Sudeste.
Voltei pra casa disposta a
escrever e tentar descrever o clichê existencial. Eu queria mesmo ter sentido
como é ser pássaro. Parece que estão sempre se permitindo, brincando. Ninguém
briga pelo espaço e não tem torre de controle, muito menos GPS ou carta náutica
e, no entanto, todos usufruem do céu como seus. Ser pássaro, ser leve, ser
alto, bem alto, talvez num silêncio ensurdecedor. Hoje eu quis ser pássaro. Mas
talvez com a minha consciência pra poder contar aos demais. Na consciência
deles sabe-se lá se sabem com é viver com os pés cravados no chão.
Mais tarde, como mamífero moderno
me coloquei “a caça” de um shitake, uma bandejinha de milho, um suco de
tangerinas e paçoquinhas. Esqueci a retornável no carro então fui equilibrando
como de costume um trem sobre o outro. O milho quase voou na sessão de flores.
Ele também deve gostar, como eu, mas seguimos equilibrados até o ex-pálio
branco que, para minha surpresa, do lado da sacola retornável, bem na extensão
da fechadura estava bombardeado por um resíduo orgânico de algum vertebrado
voador. Uma massa multicor distribuída uniformemente, inclusive sobre o buraco
da chave.
Todo aquele romance da tarde,
aquela beleza e liberdade agora se resumiam à minha dificuldade de abrir a
porta carimbada. Eu ainda amo os pássaros e a liberdade que eles me inspiram e até
a inveja que causam, mas uma coisa é certa: neste mundo, nada escapa da
dualidade de sentimentos. Tão etéreo e tão escatológico.
Comentários
Lembrou-me de um livro onde me iniciei na arte da liberdade.
Fernão Capelo Gaivota.
Saudades juvenis de Richard Bach.