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Brasília, eu não vou gostar de você

Começo colocando a foto do céu, porque isso sim, é uma coisa de emocinar no Planalto Central.
Cada dia é um show a parte.
E graças a Deus, não foi o Niemeyer quem projetou o céu daqui, nem o Lucio Costa que decidiu que seria assim. É vocação. É Deus dizendo: não se desespere. Na falta de esquinas, calçadas e informação, olhe para cá!



Andando assim, nesse vazio imenso, nesse elefante branco sem alma, sinto um único medo: de me acostumar.



Me acostumar com essa cidade que não nasceu para fazer gente viver feliz.
Parei no ponto errado porque o cobrador desatencioso me indicou que eu deveria descer ali e descendo, vi que estava muito longe do meu destino.


Chovia. Começou ali, naquela hora. O sinal fechou.


No canteiro central não avistava o semáforo para atravessar a outra pista.


Eu tentava equilibrar meu livro embaixo do guarda-chuva que já se mostrava impotente debaixo do toró e sem graça, minha umbrella via meu tamanco rosa encharcar a cada segundo.


Logo ele. A bola da vez. Sempre tem aquele sapato que não cansamos de usar. Combinamos toda e qualquer roupa a partir do sapato que adoramos, principalmente quando ele consegue ser belo e confortavelmente ajustável às sua joanetes, calos, e ainda de dá uns seis centímetros de lambuja. Perfeito. E era rosa chá. Agora está meio rosa bebê.


Ele, encharcado, companheiro, olhava para o outro lado da pista enquanto meu rosto virava de lado, tentando detectar o vazio de carros exato para atravessar sem demora.


Finalmente atravessamos!


Agora, era eu, 12 quilômetros e o meu destino. Na verdade, naquele contexto, de pancada de chuva, sem calçada e sinalização, a “sensação térmica” era de uns 20 Km.


As pessoas aqui, definitivamente não falam. Será que se trata de desnutrição congênita ou preguiça existencial. Desânimo por tentar vencer essas ruas intermináveis sem esquinas todo santo dia?
Sei lá. No caso do cobrador, custava perguntar certinho para onde eu ía e então me dar a melhor opção? Eu faria isso se fosse ele, mas ele estava ocupado de mais com sua leitura para olhar para trás.


E eu, me sentindo a tola por ter acreditado de pronto e descido sem nenhuma certificação de que o indivíduo havia me entendido.


Certa vez, na faculdade eu me vi encurralada junto com um amigo no pátio do prédio sem portaria de uma professora de filosofia.


Faltava cinco ou dez minutos para encerrar o prazo de entrega do trabalho. Nossa amiga, que sofria na época de uma espécie de super proteção intensiva começou a alertar que ficaríamos com zero pois a professora havia partido!

Nos vimos totalmente em pânico, pensando nos créditos extras que teríamos que pagar e ele, sabiamente se lembrou que conhecia o endereço da professora. Certa vez havia vendido uma pizza beneficiente a ela. Corremos para lá no meu carro e minutos depois estávamos salvos, em frente ao apartamento. Opa, sem portaria. E agora? Os créditos, mais duzentos reais na mensalidade que mal conseguimos pagar em dia! Tocamos no número “X”. Um senhor nos atendeu e perguntamos pela professora que tinha um nome impossível de esquecer. Ele, com voz ranzinza de fumante veterano nos respondera: ela mora no nº Y. Então, pedimos que ele abrisse para que deixássemos o trabalho na sua a caixinha de correio.


Minutos depois desce a figura, acompanhado do cão de guarda capaz de vencer a Maurren Maggi em salto sem vara, com um latido estridente. O Sr. ainda portava um telefone sem fio no bolso traseiro. Só agora percebo que ele se muniu das armas que tinha para se defender de um possível golpe ou seqüestro relâmpago de dois malucos, no caso, eu e meu amigo. Isso justifica também acara de poucos amigos do Sr..

Entramos, agradecemos muito e... e a caixinha de correio? Não tinha.

Colocamos o trabalho sem formatação, sem envelope por baixo da porta de seu apartamento.


Estávamos salvos! Ou não?


Vai que aquilo a deixasse enfurecida!


Era tarde. Aliviados, e tensos e sei lá o quê, descemos e...não havia porteiro.


Não havia saída.


O Sr.? Não, não. Vocês não viram a cara dele.


De dentro da garagem pensamos em todas as possibilidades, mas havia cerca elétrica.


O porteiro do prédio da frente, percebemos, mantinha um risinho no canto da boca como quem fitava a longa novela de dois alunos desesperados.


Tentamos manter a calma, mas era uma situação estranha. E se a professora chegasse? Não, não era hora de pensar nisso agora.


Eis que, uma garota, depois de algum tempo claro, embica o caro em uma das garagens e desce para abrir o portão e nós corremos na sua direção aos gritos: não fecha, não fecha!


E assim, conseguimos nossa liberdade de volta, agora sim imaginando a bruta invasão de privacidade que acabáramos de cometer.


Fato é que, passado algum tempo, ela vem em nossa direção na sala de aula e, de forma sutil como ela sabia bem, nos deixou marcados para sempre. Ela disse: vocês deixaram um trabalho sem envelope por de baixo da minha porta? Entrei e pisei nuns papéis e não acreditei quando vi o que era. Total falta de zelo com o material. (Ela, uma filósofa, não poderia aceitar nosso produto mental tratado daquela forma).


Argumentamos que nossa amiga havia dito que ela partira e nos preocupamos.


E ela, com a sutileza de quinze toneladas bem nos alertou, coisa que, naquela tarde chuvosa em Brasília, tive que me lembrar tardiamente: “Belos jornalistas! Confiam na primeira fonte que vêem e não checam a informação.” Naquele dia, ela havia passado a tarde na salinha ao lado do laboratório de informática, aguardando os trabalhos de alunos atrasados.


É, nos havíamos confiado na fonte!


Aquela cidade parecia ser feita literalmente para inglês ver. Como uma grande farsa. Tinha até placas em inglês. Faltava sinalização, principalmente para quem vem de fora, mas plaquinhas com nomes em inglês se vê por toda parte.


O pior não eram os ingleses, era a sensação de que ela, em momento algum tenha sido feita para pessoas viverem com fluidez e quem sabe, um pouquinho de alegria.


A própria coisa de setores. Se todos somos um, o todo contém a parte e a parte o todo, se até mesmo nosso cérebro não fragmenta as atividades e percepções de forma quadrada e racional, como dividir a vida da cidade em setores matematicamente separados. Quilometricamente selecionados. Temáticos, neuróticos, apáticos.


Ainda bem que ninguém penso em SDN: Setor de Namoro.


Vai contra a idéia de confraternização, de lazer, de integração.


“Setor de diversão”. Não é fácil de conceber. Mesmo porque o trabalho, se visto com amor e alegria, pode ser ainda que muito profissional, uma diversão. Meio subjetiva essa parada.


O trânsito aqui é a cara disso tudo. Motoristas individualistas, que cruzam três pistas em alta velocidade, apenas pensando na capacidade do seu automóvel, completamente alheios à possibilidade dos demais transeuntes enfartarem de susto com a manobra a lá Show do Carlos Cunha.

Fora os acidentes primários como batidas em poste que aqui são comuns. “Perdeu o controle”. Caramba, não era um caminhão. Um automóvel de passeio numa via de baixa velocidade???


Tomara que Brasília não seja uma cidade de vazios urbanos e também humanos. De qualquer forma, estando aqui, qualquer um aprende a ver o próprio vazio.


Preciso esvaziar minha mente.





Comentários

oi. diga-me: não conversávamos, ainda que eventualmente, via orkut (no tempo em que redes sociais eram sinônimo de orkut)? parabéns pelo blog, menina.

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